Os desafios de um designer na sede mundial da Motorola

Nesta entrevista, o designer Cezar Bianchi conta à jornalista e content lead da PostOffice, Simone Costa, como é trabalhar no desenvolvimento de interfaces para os celulares da Motorola. Ele também fala sobre a sua trajetória profissional e a experiência de atuar em um time multicultural. 

Como é ser um designer brasileiro trabalhando na sede mundial da Motorola, em Chicago?

A Motorola tem times de designers aqui em Chicago, no Brasil, na China. Dessa forma, há uma diversidade grande de culturas no dia a dia da empresa. É muito interessante porque os primeiros usuários das interfaces que criamos são nossos próprios colegas que vivem experiências distintas. Isso enriquece muito o jeito que desenvolvemos os produtos. Ou seja, essa troca com os colegas nos faz lembrar que a interface que desenvolvemos vai atender a uma base enorme de consumidores de culturas, idades, experiências diversas.  

O que exatamente você faz na Motorola?

Eu trabalho como visual team designer na Motorola, isto é, desenvolvo a parte visual das interfaces dos aparelhos. Tudo que está relacionado a UI (sigla em inglês para user interface) exclusivo da marca é feito pelo nosso time em Chicago. Por exemplo, temos o aplicativo Moto App que agrupa todas as experiências únicas da Motorola. Eu desenvolvi toda a interface desse aplicativo. A ideia era criar algo que facilitasse para o usuário encontrar as ferramentas exclusivas do aparelho. Assim, com o Moto App, ele não precisa ir às configurações, que às vezes são complicadas de mexer. O usuário tem medo de desconfigurar o celular. Então, ele vai direto ao Moto App que é mais acessível e convidativo para que ele conheça as ferramentas disponíveis ali. Por exemplo, a Motorola tem um dispositivo exclusivo que permite acionar a câmera a partir do movimento dos punhos. Isso está no Moto App. 

Dê um exemplo de algo que você fez para o Moto App.

Uma curiosidade desse trabalho de desenvolvimento do Moto App é que foi com ele que a marca começou a usar ilustrações para deixar as interfaces mais amigáveis. Eu já trabalhava com ilustrações há algum tempo. O pedido foi que criássemos ilustrações escalonáveis. Como consequência, foram criados templates de ilustrações e ferramentas para que qualquer designer da Motorola conseguisse replicar e manter a identidade do Moto App. A partir daí, as ilustrações passaram a ser utilizadas não só nesse aplicativo. 

Qual a sensação de fazer um trabalho que chega a todo canto do mundo?

O telefone é algo que está na mão de todo mundo. Isso gera uma pressão, mas também tem um desafio enorme. Quando a gente trabalha com design, tem a sensação de que as pessoas não veem o que a gente faz. Mas trabalhando para a Motorola, que é uma empresa global, eu consegui ver a reação das pessoas a algo que eu contribui. Uma vez, por exemplo, minha mãe me mandou uma foto com a interface que eu fiz exibida num shopping em São Paulo. E eu pensei: “caramba, as pessoas estão olhando e usando algo que eu desenvolvi”. Claro que as chances de você ser criticado aumentam. Mas também é muito bom saber dos feedbacks positivos. A gente vê as estatísticas da empresa e percebe que as pessoas gostam das soluções de interface. Isso é ótimo. 

Você pode contar alguma novidade da Motorola que está em desenvolvimento?

Temos muitos projetos em desenvolvimento, mas eu não posso comentar. Então, vou contar do último projeto do qual participei. A marca tem o Razr, um celular dobrável. Ele já é um clássico e ganhou uma nova abordagem. Diferentemente dos concorrentes, o Razr tem uma tela externa e isso é uma inovação da Motorola. Foi um desafio desenvolver essa interface numa tela tão pequena e algo até então inédito para o usuário que estava acostumado ao acesso direto ao touch screen. Essa tela fica do lado externo, ou seja, é uma segunda tela no celular. Pensamos bastante sobre os atalhos que estariam disponíveis ali. Resumindo, essa tela mostra uma notificação sem a necessidade de abrir o telefone e sem tantas informações bombardeando ao visualizar. Tivemos feedbacks muito bacanas sobre esse trabalho. Podemos considerar que o Razr e a quick view display, que é essa tela menor, são cases de sucesso. 

Você recebe muitos protótipos, ou seja, sabe das novidades bem antes que nós?

Sim, recebemos os protótipos bem antes. É prazeroso fazer testes e ver tudo acontecendo antes do lançamento para o mercado. É empolgante! Às vezes, estou com dez telefones ao mesmo tempo e chega a ser complicado gerenciar. Quando vemos alguém comentando sobre algum telefone, falando num tom de novidade, a gente lembra que já sabia daquilo um ano atrás. Nesses casos, precisamos nos colocar no lugar do usuário e entender a reação dele. Afinal, para o público em geral é mesmo algo novo.  

Fale um pouco da sua trajetória profissional e como foi essa transição para o digital. 

Comecei minha carreira num escritório de gestão e desenvolvimento de marcas. Me apaixonei e procurei me dedicar à área. Antes de mudar para os Estados Unidos, trabalhei no IG e tive contato com o digital, com UX (user experience) e UI, auxiliando em projetos de interface. Eu nunca planejei uma carreira fora do Brasil. Foi algo que aconteceu. Quando vim para os Estados Unidos há 10 anos, interessei-me mais pelo digital e vi que era um caminho para me inserir no mercado aqui. Por isso, fiz cursos intensivos, os chamados bootcamps, para aprender mais sobre UX e UI. Creio que meu diferencial é que busco entender a visão da empresa — por causa da minha experiência com desenvolvimento de marca — além de tentar compreender o usuário. Ou seja, tenho em mente a necessidade de oferecer ao usuário a melhor experiência, mas tentando criar algo que traduza a marca da empresa.

O que você vê de diferencial no design brasileiro?

Nós temos algumas características interessantes. Uma delas é que o trabalho feito por designers brasileiros é mais alegre. Isso não quer dizer que seja festivo, que sejam só cores e formas. A gente pode fazer algo elegante, mas não é monótono. Isto é, o designer brasileiro surpreende mesmo quando produz algo clean. 

Outro ponto é que os profissionais brasileiros sempre entregam mais do que foi solicitado. Você está desenvolvendo algo e esbarra em soluções para experiências ou tem algum insight sobre o texto e acaba sugerindo várias ideias. Eu até me policio, às vezes, para fazer algo a mais somente quando percebo que vale a pena. Isso porque aqui eles não entendem muito bem porque estou fazendo além do que a demanda pede. 

Você poderia falar sobre tendências para o design?

Uma tendência que vejo aqui diz respeito ao formato de trabalho dos designers, que é a questão da colaboração. Ou seja, surgiram ferramentas que permitem mais tarefas colaborativas. A pandemia ajudou a acentuar isso, mas creio que é algo que veio para ficar, é irreversível. Recentemente, por exemplo, usamos o Sketch para fazer um projeto. E há outras ferramentas disponíveis que possibilitam isso. 

O que você diria para quem quer investir numa carreira fora do Brasil?

Eu diria que tem de ter foco na carreira de modo geral, independentemente de onde a pessoa gostaria de trabalhar. Ou seja, o designer deve fazer o que ele gosta e buscar se diferenciar. Com o crescimento dos trabalhos colaborativos, como eu falei anteriormente, ficou mais fácil conseguir atuar em corporações globais sem mesmo precisar sair do país. E saber uma segunda língua ajuda nesse processo. Mas, como eu disse, tem de ter um bom trabalho para mostrar, um portfólio com alguns trabalhos que o designer sabe que mostram seu potencial. 

Crédito das imagens: Freepik Storyset

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